Entrevistamos um dos maiores videoartistas da França. Seu trabalho é gay, político e irônico

 

Atualmente, Jean-Gabriel Périot é um dos videoartistas mais famosos e conceituados da França. Seu trabalho com edição de imagens no Centre Pompidou, em Paris, lhe deu a bagagem, o conhecimento e o acervo necessário para sua formação e criação artística. Assumidamente gay, Périot desenvolve vídeos, animações e instalações artísticas que abordam sua sexualidade, o pop, a história do mundo, a política, a natureza e papel do homem na sociedade moderna, entre outras questões.

Através de belas imagens, edição incrível e um humor sarcástico e irônico, Jean-Gabriel consegue criar emoções catárticas nos espectadores de suas obras. O francês teve alguns de seus trabalhos exibidos nas últimas edições do Festival Mix Brasil, já foi premiado em diversos festivais pelo mundo e já apresentou seus filmes em mais de 50 países. Em seu site oficial, há o histórico de cada uma de suas obras.

Seu último trabalho como editor é um vídeo que será enviado para o espaço e que conta a história da humanidade para seres extraterrenos. Em sua recente, porém vasta filmografia, Gaby, como é conhecido pelos amigos, conseguiu atingir resultados que ultrapassam qualquer rótulo ou definição.

Estivemos conversamos com o Périot sobre seu trabalho, suas opiniões, seus conceitos, seu processo criativo e sua vida. Conheça mais sobre o consagrado artista de imagens underground e seu comportamento em relação ao mundo.



 

Grande parte de seu trabalho é diretamente conectada à sua sexualidade. Foi algo planejado ou foi uma parte natural do processo?


Eu acho que é bem natural. Eu sou gay. Então, se eu quero fazer um filme sobre amor, ou sexualidade, eu faço com temas gays. Eu não conheço a heterossexualidade, então eu não posso trabalhar com isso. E a homossexualidade é sempre um “problema” em nosso mundo, então falar sobre ela e sobre outras “não-heterossexualidades” é uma forma de falar sobre a violência causada por “normais” contra os “anormais”.

A questão feminina também é outra constante em sua obra, especialmente no vídeo Eût-Elle Éte Criminelle, que é extremante chocante. Como surgiu a idéia desse trabalho?


Eu trabalhava em uma vídeo-instalação e eu vi aquelas imagens de mulheres torturadas e carecas na França. No período de guerra, após a liberação da França por americanos, houve uma onda de violência contra todos aqueles que, supostamente, colaboraram com os alemães. O problema é que não se pode fazer o mesmo que o inimigo. Os alemães não tinham senso de justiça naquele momento, mas os franceses sim e fizeram o mesmo. Mesmo que os torturados fizeram coisas erradas, eles teriam que ser julgados e não assassinados ou enforcados pela multidão. Para as mulheres era pior, pois eram acusadas de estarem apaixonadas pelos alemães, e tinham o cabelo raspado em público, para que não “escondessem” o que fizeram. Os torturadores em si, não foram os que lutaram contra a Alemanha; foram os que esperaram em silêncio que a guerra acabasse para que, eles mesmos, tirassem vantagens dos mais fracos, no caso, as mulheres. Eu também acho que o mundo seria melhor se déssemos mais poderes às mulheres. O feminismo, com a ecologia, são as duas últimas maneiras de salvar o mundo politicamente.

Seu vídeo-confissão Gay?, além de bastante pessoal, é um desabafo. Em sua opinião, quando a sociedade aceita um gay, se esquece que ele é um ser sexual?


Sim, é isso. A sociedade aceita “estranhos” (homossexuais são apenas uma parte deles) apenas se eles parecerem “normais”. Nós podemos fazer o que quisermos, mas somente se parecermos como a maioria da população. Para nós, podemos ser gays, mas só afeminados (porque um afeminado é “engraçado”) ou “normais” (nesse caso, vivendo com dignidade com um namorado ou namorada). Uma integração real só irá acontecer quando a sociedade que integra os “estranhos” mudar. Não é o “estranho” que precisa de mudanças; é a normalidade que precisa.



Em Journal Intime, seu corpo é o protagonista. Como você lida com sua própria imagem e seu corpo dentro da videoarte?


Normalmente, eu não gosto de usar meu próprio corpo, porque eu sou tímido! Este filme é particular porque foi um período estranho para mim. Eu sou saudável, mas quando fiz o filme, eu tinha muitos problemas com meu corpo. Então, ser como um Frankestein por duas ou três semanas, me permitiu realizar o filme sobre aparências e a morte. Eu me apresento como uma pessoa normal, mas, atrás da imagem, é que estava a realidade. Eu era um freak também e um ser vulnerável. Como espectador, artistas que trabalham com o corpo (o seu ou dos outros) me interessam. Eu acho que o corpo pode falar muito sobre o mundo. 



Muito além da questão gay, está a questão social em seu trabalho. Quais são seus conceitos sobre a sociedade moderna, o capitalismo e a globalização?

Eu odeio o capitalismo! Eu acho que sempre precisamos de utopias, mesmo que o capitalismo as proíba. A revolução é a única solução para nossos problemas atuais. Mas qual revolução? Esse é o dilema. Mas sabe, nós, europeus, estamos impressionados com o retorno do progressismo na América do Sul. Achamos que, talvez, seja o início de muitas mudanças.




Como aconteceu sua paixão pela imagem e pelo movimento? Em que momento você soube que isso seria seu trabalho?

Quando eu tinha 15 anos. Eu sempre ia muito ao cinema e via muitos vídeos (era o início do VHS). Quando eu contei ao meu pai que queria trabalhar com isso, ele me disse: “Mas apenas viados e judeus trabalham em cinema”. Ele ainda não sabia que eu era gay naquela época.



A música também tem forte influência em seus vídeos. Quais são suas músicas favoritas?


Eu ouço muita música. Talvez seja uma das coisas mais importantes para mim. Mas não tenho um estilo ou artista preferido. Eu escuto muita música pop (as bem ruins, mas eu sou gay, você sabe, é o clichê) até música eletrônica minimalista. Atualmente, escuto bandas como “Godspeed You! Black Emperor” ou “A Silver Mount Zion”. Elas fazem algo como “post-rock”, muito abstrato, mas a música é intrinsecamente política. Eles me motivam a sonhar e trabalhar.



Em seu vídeo Lovers, a pornografia é mostrada de maneira poética e artística. O que você acha do papel da pornografia nos dias de hoje?


A pornografia é algo estranho. Normalmente, ela é barata e suja (mesmo aspectos sexuais considerados “sujos” podem ser mostrados de maneira bonita. Fundamentalmente, não existem coisas “sujas”, apenas mostradas dessa maneira). Mas, algumas vezes, belos momentos podem aparecer. Uma mão, um beijo, um pau, um som... Por esses momentos, eu não posso ser contra ou a favor da pornografia, mesmo achando que há muito dela presente em nossa sociedade. Só acho que, quando a pornografia é usada para vender roupas ou bolos, de maneira que degrade a imagem da mulher, aí sim, ela é condenável.



A ironia também parece reger seu trabalho. Isso é um traço de sua personalidade ou um artifício artístico?


Não é um artifício artístico. Humor é importante na vida. Como o prazer. Nós podemos dizer com humor algo que, sem ele, poderia soar pretensioso.



Na minha opinião, seu melhor vídeo é 21.04.02, que é um grande apanhado sobre a história humana e sobre sua própria vida. Como foi a realização desse vídeo?


Quando Jean-Marie Le Pen, um candidato de extrema direita, ficou em segundo lugar durante as eleições presidenciais de 2002 na França, foi um choque para mim. Como, nós, franceses, podemos fazer isso? Então, eu imaginei este filme, feito através da coleção de imagens que eu tinha. Milhares de imagens públicas (da história, do pop, das artes, etc) e milhares de imagens privadas. E eu as misturei, apenas para focar nesse acidente da história.



Considerando todos os vídeos que você fez até hoje, qual foi o mais fácil e o mais difícil na realização, do ponto de vista emocional?


Na verdade, existe a parte mais fácil e a mais difícil. A parte fácil é escolher as imagens e a mais difícil é retocar uma a uma. Não é tão complicado, mas como são milhares de fotos, o processo se torna muito longo. 


Você se considera um artista que trabalha com vídeo ou um videommaker que trabalha com arte? Ou nenhum dos dois?


Eu acho que estou no cinema. Às vezes, desenvolvo obras de arte visual, mas o que faço mesmo são filmes (mesmo que eu não use vídeo sempre).



Qual é o seu diretor preferido?


Dziga Vertov. E Guy Debord (acabei de descobrir seus filmes. Impressionante!)

Eu sou fã inveterado de sua obra. De quem você é fã?


De freaks? De gays? Apenas brincando. Eu realmente não sei.


Hoje, em um mundo cheio de rótulos, especulações e falta de identidade, qual a definição de gay para você?


Um ânus.


Tino Moretti
Mix Brasil, 2006
http://mixbrasil.uol.com.br/cultura/jean-gabriel-periot/